Novo artigo sobre psicanálise e ciência: Freudian naturalism and the assessment of psychoanalysis as a natural science
Vitor Orquiza de Carvalho e Nelson Coelho Júnior publicaram em fevereiro de 2024 seu artigo Freudian naturalism and the assessment of psychoanalysis as a natural science: Psychic phenomenon as process [Naturalismo freudiano e a avaliação da psicanálise como uma ciência natural: fenômenos psíquicos como processos] na revista Theory and Psychology. O artigo pode ser acessado pelo link: https://journals.sagepub.com/eprint/S6H9CJPUSAWUPPBSMHBW/full
Este artigo constitui uma importante contribuição para o debate sobre o estatuto científico da psicanálise, ao retomar as posições iniciais de Freud sobre sua pesquisa e sobre a psicanálise como uma ciência natural. Os autores dão um passo atrás e investigam os termos em questão: o que quer dizer “ciência natural”? Quais são os pressupostos do naturalismo, e como eles se relacionam com o objeto de pesquisa da psicanálise?
As ciências naturais são aquelas que estudam fenômenos naturais, através de um paradigma naturalista, mas “como não há uma única forma de conceber a ideia de natureza, nem um único jeito de afirmar um fenômeno é natural, o naturalismo encontra diversas variações” (p. 4, tradução nossa). Diferentes critérios podem ser usados para definir o mundo “natural”: a materialidade física não define universalmente o naturalismo, de modo que é preciso explicitar as cláusulas teóricas que fundamentam a compreensão de ciência natural de um campo.
Este artigo acompanha as preocupações científicas de Freud ainda na década de 1890, observando como a sua concepção da relação cérebro-mente se transforma a partir do contato com novos fenômenos clínicos. Sua análise revela que Freud se mantém aderido a um naturalismo metodológico, que favorece a observação dos fenômenos como fonte de conhecimento, enquanto seu materialismo ontológico (sua concepção teórica do que é natural) se transforma com o tempo.
Um dilema central para o paradigma naturalista em psicologia é a dificuldade de defender uma correspondência ponto a ponto entre o funcionamento neuronal e o funcionamento mental. Diante da complexidade de fenômenos psíquicos imateriais, inobserváveis e imensuráveis, Freud se direciona para o “emergentismo e afastando-se do reducionismo. Este é um dos pontos de viragem mais decisivos da sua obra, pois começa a entender os fenômenos psíquicos como um processo. A causa do fenômeno psíquico deixa de ser um ponto exclusivo da matéria ou de uma localização específica do cérebro e passa a ser a disposição dinâmica e funcional do sistema nervoso” (p. 13, tradução nossa)
Esses autores defendem a noção de processo como fundamento de uma visão naturalista do psiquismo, permitindo a manutenção de naturalismo ontológico e metodológico. Segundo Simanke (2011), citado no artigo: “A virtude epistemológica de Freud, pelo contrário, parece ter sido a sua abertura para permitir que a sua concepção de ciência fosse modificada à medida que a sua investigação avançava, sem prejuízo da sua convicção de que esta se mantinha dentro das fronteiras das ciências naturais. Numa palavra, talvez seja possível sustentar a necessidade de um naturalismo qualificado – e de um conceito qualificado de natureza – para fazer justiça à atitude epistemológica freudiana e para apreciar plenamente a sua originalidade e explorar mais eficazmente os conhecimentos que ela tem para oferecer.” (p. 220)
Vitor Orquiza completou seu doutorado em psicologia na USP em 2018 e atualmente é professor na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Em 2024, organizou a publicação do livro “A cientificidade da psicanálise – Novos velhos horizontes” com Marcelo Galletti Ferretti, no qual figura um artigo do Prof. Nelson Coelho Junior intitulado “Afeto, corpo e sentido: a clínica psicanalítica com Freud e Merleau-Ponty”.